29 de agosto de 2009

Um texto diferente

O texto de hoje não é meu. Quer dizer... é, mas não é. Com minha mania de escrever demais às vezes saem palavras que não podem ser de Sarah Kelly. Para isso eu tenho múltiplas personalidades, pra assinar com diferentes nomes sem nunca deixar de colocar em palavras aquilo que se forma nos pensamentos. Apresento hoje Lúcio Paulo, paulistano de 27 anos que gosta de andar por aí e ficar quietinho nos cantos, apenas olhando a cidade seguir seu caminho...
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Lapa. Seis e meia da tarde de uma sexta-feira qualquer... "Que lugarzinho esse pra onde você me mandou, hein?"

Ela passou por mim falando ao celular. Desceu do ônibus um pouco desorientada, eu a vi dormindo pela janela. Deve ter sido um dia difícil. Parou em frente à banca de jornal e ficou esperando. Esperando. Esperando. Retocou a maquiagem, mexeu no cabelo, olhou em volta. Abriu a bolsa, tirou um jornal e leu duas páginas. Tenho quase certeza que não compreendeu uma palavra do que leu. Seu pensamento não estava ali, e isso estava estampado em seus olhos.

Cansada de tentar se enganar guardou o jornal e começou a passar os olhos pelas revistas penduradas, curiosa. Não tinha cara de quem fosse da região, nem mesmo tinha cara de quem se encaixasse naquele lugar.

Colocou os fones nos ouvidos, ligou o mp3. E riu. Uma risada gostosa, cheia de dentes. Para alguns o que basta é um pouco de memórias de bons momentos.

Olhava o relógio a cada minuto. Estava impaciente. Eu até quis conversar com ela, dar-lhe algo pra fazer enquanto esperava. Mas foi ideia, só; que se foi tão rápido quanto veio.

Entre ficar ao lado da banca de jornais (e no meio do caminho) ou encher seus cabelos de gordura ao lado da barraca de pastel preferiu a segunda opção. Sentou em um banquinho de plástico já bastante surrado e tirou um caderninho da bolsa.

Jornalista ou escritora. Nada mais justificaria todo o tempo em que ela ficou escrevendo. Vez ou outra parava, olhava para os lados e voltava a escrever. Perdi uns bons cinco minutos observando o seu jeito de rodar a caneta entre os dedos, morder a ponta da tampa, e depois rodar de novo enquanto pensava na próxima frase.

Levantou num pulo. Guardou tudo com pressa. Andou até um rapaz de guitarra nas costas. Um beijo no rosto, um abraço demorado. O som estava alto, ele ouviu o que ela estava ouvindo e fez um comentário qualquer sobre a banda. Ela riu. Ele riu. Ela riu de novo, aquele mesmo sorriso que abriu quando ligou o mp3. Desligou o aparelhinho, guardou, e foram embora.

Lúcio Paulo (28-08-09)

16 de agosto de 2009



Fechou e abriu os olhos lentamente. Respirou o ar gelado da noite sem lua, e deixou que entrasse em seus pulmões junto com a fumaça do cigarro que derrubava cinzas sobre suas botas. "De novo", pensou.

Esteve parada ali por uns três ou quatro minutos, esperando não sabia exatamente o quê. A água barrenta do Mondego corria silenciosamente em direção à foz, alguns carros vez ou outra passavam na rua, deixando um rastro de luzes e barulho. E ela continuava ali, parada, como se algo houvesse levado embora sua capacidade de se mover.

A parede de vidro que a separava do rio era espessa... Quebrá-la não parecia tão simples. E também não era necessário, quando se podia somente andar até o final do píer, e ver a proteção transparente se transformar em pedras acinzentadas, à altura do chão.

Na outra margem havia um grande festival. Àquela hora The Cynicals agitavam uma dúzia de estudantes bêbados no palco principal, enquanto os DJs das tendas faziam valer a pena os oito euros cobrados à entrada. Ela estava pra fora, preocupada com o que pudesse estar acontecendo lá dentro. Havia voltado pra casa pra pegar algum dinheiro e chamar um ombro amigo. Nunca nos últimos 6 meses havia sentido tanta falta de um telemóvel.

"Tásse em casa?"
"Tou saindo pro festival"
"Ótimo, me espera aí, preciso falar contigo"

Antes de sair, mais uma chamada:
"Ele tá aí?"
"Está sim, queres falar com ele?"
"Não, só me diz se ele tá bravo"
"Não me parece. Aconteceu alguma coisa?"
"Sim. Desculpa te incomodar com isso"
"Não tens que pedir desculpas"
"Tou indo praí em meia hora, cuida dele pra mim?"
"Claro"

Saiu de novo, batendo a porta e vestindo um casaco. Não estava calor, mas uma gota de suor escorria de sua testa. Andava rápido o suficiente pra fugir de qualquer perigo nocturno, mas não conseguia fugir de si mesma. Num pequeno ataque paranoide mudou de calçada várias vezes, enquanto se esforçava pra andar mais rápido do que suas curtas pernas conseguiam. Subiu as escadas de dois em dois degraus, o fraco coração dava sinais de que aquele seria seu último esforço.

Normalmente levava dez minutos e meio. Chegou em quatro. Bateu à porta tantas vezes quanto conseguiu, gritou até a voz falhar, mas ela não respondeu. Chamou mentalmente, quis ser telepata, sociopata, suicida. Quis voltar pra casa. Não a casa quase à beira do rio que alugara por alguns meses. Quis voltar pra sua casa de verdade. O seu país, com toda a poluição, o trânsito e a agitação da grande cidade que tanto amava.

Encontrou a amiga pela rua e seguiram para o festival. Pelo caminho algumas lágrimas e um abraço. Estava mais calma. Atravessaram o rio pela ponte multicoloridamente iluminada e ela tentou deixar na outra margem toda a preocupação. Asher Lane estava subindo no palco. Era dia de festa.

14 de agosto de 2009

Home Office


Home office é um jeito educado de dizer que você faz trabalhos pra alguém, mas não te querem trabalhando no escritório. Algumas pessoas podem achar bacana não ter que gastar com transporte e alimentação, já que não precisam sair de casa e podem almoçar com a família mesmo... Parece bom, não?

Mas algumas coisas simplesmente não se pode fazer em casa. Algumas pessoas simplesmente não servem pra isso. E algumas famílias simplesmente não entendem como você pode transformar o seu quarto em escritório.

"Sah, lava a louça do almoço?"
"Filha, me ajuda aqui na cozinha?"
"Vai, pára um pouquinho, vem tomar um café"
"Mas trabalhar pra quem, se você fica o dia inteiro na frente daquele computador?"

Fogo, viu...

8 de agosto de 2009

Noite passada

O dia tinha começado errado pra ela. O amigo não atendia o telefone, e ela não sairia de casa sem antes combinar o que fariam. Era longe demais pra chegar até lá e dar com a cara na porta. Enquanto tentava inutilmente localizá-lo pelo celular, abriu o msn para ler seus emails e ver se o amigo estava online.

O amigo não estava lá, mas o caramujinho sim. Quis falar com ele, saber como estava, conversar sobre a vida, o universo e tudo mais. Conversaram. "E decidiram se encontrar..." O caramujinho tinha uma banda, e sexta-feira era dia de ensaio. O ensaio era longe, mais longe que a casa do amigo que deu um bolo nela, mas ao menos estava confirmado: 21h.

Ela fez de tudo pra chegar às 20h. Iam tomar uma cerveja, trocar considerações sobre o dia, planejar o futuro, discutir o passado. "Nada melhor do que não fazer nada..." Só que era sexta-feira, e ela sabia que o trânsito estaria carregado, mas naquele dia estava impossível, graças ao sr. prefeito (que decidiu encher ainda mais as ruas de carros, ao invés de apenas regulamentar pontos de parada para os ônibus fretados).

Já no meio do caminho avisou que se atrasaria um pouquinho... Acabou se atrasando um poucão. Chegou à estação e encontrou não um, mas dois moços com instrumento nas costas e cara de cansados (estavam esperando lá há uma hora, não podiam ter outra cara!) Seguiram para o estúdio. Lá encontraram o resto da banda e começaram o ensaio.

Músicas conhecidas, outras nem tanto, e conversas sobre tudo o que se pode imaginar nos intervalos. Loucuras à parte, mais três fãs que sempre acompanham os ensaios, um baterista fazendo moonwalking (devidamente documentado), um baixista palmeirense indignado com o campeonato, um tecladista/vocalista se exibindo pras câmeras e um guitarrista/vocalista/caramujo que até deixou que ela escolhesse uma música. Quase um show particular.

Uma noite divertida. Poderia ter sido mais. O metrô poderia ficar aberto a noite toda, e os ônibus poderiam rodar enquanto ainda houvesse gente na rua. A linha do trem poderia não ter dividido o grupo logo na entrada da estação. O caramujinho poderia ter seguido o mesmo caminho que ela, pra continuarem colocando o papo em dia e descobrindo novos assuntos... Mas agora já foi. Quem sabe na próxima sexta-feira...

(PS: Que banda é essa? Bresser!)

4 de agosto de 2009

Bagunça

Sim, porque afinal de contas eu nunca consegui manter a organização por muito tempo. A maior vergonha do mundo, quando eu era mais nova, era ouvir minha mãe falando que meu irmão (que era moleque) conseguia ser mais organizado que eu... Mães podem ser muito, muito cruéis, quando querem. Com o tempo aprendi que se eu me disciplinar posso arrumar a bagunça antes que fique bagunçada demais. (E aprendi que meu irmão arruma tudo, mas do jeito dele, porque já me perdi dentro da organização dele também)

Mais do que a bagunça externa tenho também alguma dificuldade com fantasmas e demônios internos (mas quem não tem?) Eles ficam lá, embaixo do tapete e atrás do armário, só esperando o momento certo de sair pra bagunçar toda a sua linha de raciocínio e suas emoções. Por quê? Porque deveriam ser exorcizados da maneira correta e não foram! Ficam lá, ficam fazendo bagunça.

A confusão é maior quando algo os desperta. Uma carta (ou na era da Internet um email), uma música especial, fotos, lembranças de tempos idos. Tudo e nada podem fazer com que eles saiam, e não há, absolutamente, uma fórmula mágica pra escondê-los de novo. Eles vão e vêm quando acham que têm que se mover.

Ultimamente tenho prestigiado os escritos de um novo amigo, o Fábio. Ele escreve coisas como essa, que me tiram do estado letárgico e me fazem pensar demais. Eu ultimamente o odeio e o amo por fazer isso comigo... Não é justo ele me dar as coisas pra ler e não estar aqui pra eu poder reclamar dos efeitos delas em mim...

Minhas costas doem muito, mas acordei bem. E se uso tanto as pessoas é porque elas mesmas me ensinaram a ser assim. É só questão de cuspir de volta a saliva amarga dos últimos beijos. Jogo o jogo. Encanto-me com as pessoas e delas enjôo com a mesma facilidade; sou muito apegado aos meus desapegos, ao presente, este mesmo, que existe não existindo. O passado é ignorado e o futuro está um tanto além daquele muro.
(In: "Inadequado")

Portanto sigo com minha bagunça, certa de que qualquer dia ao fechar um livro minha cabeça explodirá, tamanho o alvoroço dos bichos lá dentro.
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