28 de agosto de 2010

Palavras, apenas

Há aquele velho ditado que diz que para uma pessoa ser completa precisa ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro (não necessariamente nesta ordem...) Antropólogos diriam que esta é uma tentativa do indivíduo de perpetuar-se mesmo após sua morte, e discursariam a respeito de todas aquelas constatações que envolvem a tomada de consciência de que não viveremos para sempre. (Eles adoram fazer isso. Talvez porque saibam que eles mesmos não são pessoas tão perenes assim. Pobres antropólogos.)

Pois bem. A árvore pode ser arrancada por estar atrapalhando a passagem de uma nova estrada e o filho pode tomar um caminho totalmente diferente daquele que seus pais trilharam, mas as palavras não serão alteradas... jamais?

Lembrei hoje de três frases que depositei na contracapa de uma edição de bolso dos melhores contos de Edgar Allan Poe. Não importa o que foi escrito, mas veio à mente a singeleza do ato: um livro comprado na revistaria do aeroporto, uma pessoa de partida, uma outra que iria ficar. Três anos e onze meses depois não faço ideia de onde esteja este livro. Foi jogado no lixo num acesso de raiva, em uma tentativa (bem sucedida, diga-se de passagem) de machucar um coração. Não que os bons sentimentos que outrora existissem ainda estejam vivos hoje, mas o que incomoda de fato é que as lembranças também foram apagadas. Como se nunca houvessem existido.

Vejo situações semelhantes em alguns livros que habitam minha estante: palavras que não foram escritas pra mim de pessoas que eu nunca chegarei a conhecer. Tudo que foi parar nos sebos da vida, resgatado por cinco ou dez reais de cada vez. Declarações de amor, de amizade, anotações feitas a lápis; à caneta azul, vermelha, preta. Manchas de óleo, marca-texto pra iluminar as ideias e pedaços de papel marcando páginas que não fazem sentido pra mais ninguém.

Por outro lado lembrei também de um outro livro, uma outra edição de contos de Poe que eu tinha há quase 10 anos e que está hoje perdida. Digo perdida porque foi emprestada a alguém que nunca mais vi. Quem sabe um dia o destino se encarregue de me devolver o exemplar rabiscado, com um poemeto ridículo digno de uma menina de 14 anos sem muita vontade de concluir a leitura. Mais uma vez, não pelo que ali está, mas pelo que algum dia aquilo representou.

Seria interessante poder reciclar palavras, como se reciclam livros...

4 de agosto de 2010

A insustentável intelectualidade da piada

Terça-feira, 17 horas. Em alguma escola no interior do Estado de São Paulo, uma aluna questiona a correção de sua lição de casa:
- Mas nesse exercício aqui o que é que está errado? O nome do livro não é Hamlet?
A professora lê a questão. Pensa na resposta. O método construtivista a impede de simplesmente dizer que faltaram as aspas. Imagina um jeito de fazer a aluna chegar sozinha à conclusão. Com toda a paciência do mundo dá a preciosa dica:
- Que tal ler de novo o trecho do texto? A resposta está lá.
A aluna em questão é uma mulher de seus quase quarenta anos que tem que sair dali a pouco pra buscar sua filha no balé; ela não parece querer saber muito dessa história de descobrir seus próprios erros. Passa os olhos pela folha de papel e pede a resposta de novo. A professora arrisca:
- O nome do livro é esse, mas o que é que está faltando nele?
- Não sei.
Aquelas duas palavrinhas mágicas. A alforria para a professora. Agora, sim, ela poderia dizer a resposta, mas não sem antes (claro!) explicar o motivo.
- Sempre que você fala de um livro, um filme, precisa colocar aspas no nome pra identificar o título desse livro dentro do texto. Entendeu?
- Pra quê?
- Porque se você disser simplesmente que encontrou Hamlet na livraria eu posso pensar que você encontrou o Wagner Moura vestido com roupas shakesperianas, segurando uma caveira no meio da livraria.
A professora esboça um sorriso, já imaginando como seria ficar cara a cara com o ator. A aluna fica em silêncio. Envolve o nome do rei dinamarquês com dois tracinhos à direita, dois tracinhos à esquerda e vira a página. O assunto morre ali.

(Sim, isso aconteceu comigo. Fiquei triste. Achei que a moça ia rir, fazer um comentário espirituoso, dizer qualquer coisa... Nada. Nenhuma reação. E eu só queria um mísero "Hahaha"...)
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