26 de dezembro de 2011

Conversa de travesseiros (ou "O que ler Dostoiévski pode fazer com seu subconsciente")

Tudo começou como um capricho. Dormia com dois travesseiros; coluna torta, cabeça pesada. Mesmo no verão não se privava do lençol e uma colcha. Rinite. Mesmo que dormisse como uma pedra os sonhos a levavam alto, tão alto que o vento que tomava no rosto sempre a fazia acordar com a garganta doendo. Pequenas frescuras.

Havia dias em que inventava de dormir com os pés na cabeceira da cama. "Durmo sozinha, ninguém pode me julgar", justificava-se. Levava para baixo das cobertas sempre um companheiro diferente nas madrugadas em que o sono demorava a chegar. Cony, Dostoiévski, Bukowski, Mark Knopfler e seus solos transcendentais. Passou anos desta maneira.

Em uma noite quente de Natal em que era impossível fechar a janela, decidiu usar um dos travesseiros como barricada para a brisa que invadia seu quarto. Deu tão certo que o hábito se transformou em necessidade. "E quando você se casar e tiver que dividir a cama com alguém? Como vai ser?", reclamava a mãe. "Bah!, depois penso nisso", retrucava.

Dito e feito: seu marido tinha que aguentar aquele travesseiro entre eles. Ela tentou, em vão, substituir a peça de espuma pelo lençol, mas nada a dava tranquilidade suficiente para fechar os olhos. O cônjuge sentia-se desprezado, apesar de todo o carinho que recebia nas 16 horas restantes do dia.

Não entendia seus motivos, então desenvolveu uma obsessão por aquela parede fofa. Chegou a extremos infantis, como esconder o travesseiro sobressalente ou mesmo arrancá-lo de cima do rosto de sua amada durante a noite. Nada adiantava. A falta da peça fazia com que ela acordasse imediatamente e iniciasse a mesma discussão de sempre:

"Me deixa!"
"Mas eu quero te fazer um cafuné!"

ou

"É perigoso! E se você ficar sufocada?"
"Isso nunca vai acontecer!"

O marido, resignado, ia dormir sempre antes dela. Cada um em um canto da cama king-size com colchão de quinhentas molas. Desenvolveu distúrbios de sono, roncava, mexia-se demasiadamente, falava durante a noite inteira. O travesseiro a impedia de ouvir a sinfonia da separação.

Certa vez ele levantou-se e foi espalhando todos os cobertores pela casa. Ela acordou com frio, percebeu que o esposo não estava ao seu lado, pegou um edredon no armário e voltou para a cama. "Sonambulismo, era só o que faltava!", pensou, antes de meter a cabeça embaixo do travesseiro de novo. Pela última vez.
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