1 de janeiro de 2013

A despedida

Ela já havia comido o que sobrara do pernil da ceia de ano novo. Já havia lavado metade da louça, o que incluía todos os pratos e talheres. Que deixasse as panelas. Era a hora.

Ela sabia o que precisava fazer. Desceu as escadas com o objeto nas mãos. Pegou uma rede, estendeu entre os pilares ao lado da churrasqueira e deitou-se. Abriu o livro, procurando pela ficha que havia deixado para marcar o ponto de parada do dia anterior. Faltavam 40 páginas para concluir o relato das aventuras e desventuras de Viramundo e de suas inenarráveis peregrinações.

Os raios fracos do sol bruxuleavam entre os pinheiros que se movimentavam ao sabor do vento. Geraldo Viramundo chegava a Belo Horizonte, um retirante sem mais do que as roupas do corpo, um terço quebrado, uma caderneta, um toco de lápis e algumas outras miudezas no bolso.

Relendo o livro de Fernando Sabino ela teve vontade de mais uma vez largar tudo pra sair por aí, meio sem rumo, meio sem pressa pra voltar. Mas o tempo urge, em duas semanas ela estará de volta à alma mater e à nova velha rotina à qual ainda não conseguiu se acostumar.

Então é assim que a vida segue. Ela teve que chegar à última página. Matou o Viramundo e as suas andanças, justo no primeiro dia do ano.

"Não precisamos disso - afirmou ele. - Não venceremos a coice d'armas. Outro é o nosso poder de fogo, outro é o fogo do nosso poder" (Geraldo Viramundo, in O Grande Mentecapto)
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