16 de novembro de 2008

Quem sabe um dia

As duas conversavam no ponto de ônibus. Mais um dia estressante de trabalho acabara de chegar ao fim. A pauta: os homens – esses seres tão terríveis, mal-educados, insensíveis; mas tão capazes de resolver todos os problemas do mundo quando estão por perto.

Já fazia um tempo que ela precisava arrumar um desses seres complicados para chamar de “seu”. A amiga – sempre preocupada, como toda boa amiga deve ser – elencava possíveis pretendentes, todos rejeitados por ela: “Esse só vai querer uma noite. Aquele é enrolado demais, vai me dar muita dor de cabeça”. E assim prosseguia a conversa, quando de repente o celular tocou.

- É ele (previu a amiga, coberta de certeza)
- Como você sabe? (Devolveu ela, não percebendo a obviedade de tal situação)

Estranho seria se não fosse ele.

Ela parou por um momento. Não queria atender a ligação. Aquele nome registrado pelo identificador de chamadas causava nela um estranho sentimento. Não era amor, nem ódio, nem uma mistura dos dois. A sensação era de euforia, porém o coração não batia mais rápido e as mãos não suavam. Pelo contrário, tremiam. Se fôssemos classificá-lo, ele ocuparia toda a gama possível de sentimentos, passando entre os mais nobres e vis.

- Oi, fala (Já estava desanimada, sabia que alguma coisa havia acontecido, pra ele ligar àquela hora, sendo que estiveram lado a lado a tarde toda, e ele havia saído há meia hora, para encontrar a namorada)
- Onde você está? (‘Onde você está’ era sempre a primeira frase que ele dizia ao telefone. ‘Alô’, ‘Oi’ e ‘Como vai’ já haviam perdido o sentido)
- Esperando o ônibus com a amiga. Aconteceu alguma coisa?
- Não, acabei de chegar em casa, só queria saber de você.
- Queria saber de mim? Eu tou chateada com você.
- Por que? Que foi que eu fiz?
- Você me largou.
- Desculpa, não dava pra esperar.
- Eu sei, por isso estou chateada com você.
- Não posso fazer nada. (Silêncio) ...desculpa.
- Poder, você pode. Mas não hoje.
- (Silêncio)... Tá bom, desculpa, fico te devendo mais uma.
- Tenho que desligar agora.

A amiga ouviu tudo, e já estava cansada daquele diálogo. Sempre a mesma ladainha, ‘fico te devendo’, ‘desculpa’ era suficiente pra fazer ela ficar mais tranqüila. O problema é que só ela não via o que ele fazia com ela. Ou, se via, ignorava.

- Porque você está triste? (A amiga já sabia a resposta, mas ainda assim precisava perguntar. Era sua função de amiga fazer essa pergunta)
- Nada, não, só cansada, foi um dia cheio (Ela mentia descaradamente, certa de que surtiria efeito)
- Mentira. Agora me conta, por que você mente?
- Pra não te preocupar com os meus problemas.
- E por que eu não posso me preocupar com seus problemas, se você aparentemente não se preocupa?
- Por que eu não quero preocupar ninguém com eles.
- E quando você vai começar a se preocupar mais com você e parar de se preocupar com os outros?

Ela parou. Sabia que já havia passado da hora de se preocupar consigo. Sabia que não era fácil levar aquela vida, e muito menos fácil quando ela mesma não se permitia abertura para refletir a respeito de seus próprios problemas, mas... cadê coragem?
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