16 de agosto de 2009



Fechou e abriu os olhos lentamente. Respirou o ar gelado da noite sem lua, e deixou que entrasse em seus pulmões junto com a fumaça do cigarro que derrubava cinzas sobre suas botas. "De novo", pensou.

Esteve parada ali por uns três ou quatro minutos, esperando não sabia exatamente o quê. A água barrenta do Mondego corria silenciosamente em direção à foz, alguns carros vez ou outra passavam na rua, deixando um rastro de luzes e barulho. E ela continuava ali, parada, como se algo houvesse levado embora sua capacidade de se mover.

A parede de vidro que a separava do rio era espessa... Quebrá-la não parecia tão simples. E também não era necessário, quando se podia somente andar até o final do píer, e ver a proteção transparente se transformar em pedras acinzentadas, à altura do chão.

Na outra margem havia um grande festival. Àquela hora The Cynicals agitavam uma dúzia de estudantes bêbados no palco principal, enquanto os DJs das tendas faziam valer a pena os oito euros cobrados à entrada. Ela estava pra fora, preocupada com o que pudesse estar acontecendo lá dentro. Havia voltado pra casa pra pegar algum dinheiro e chamar um ombro amigo. Nunca nos últimos 6 meses havia sentido tanta falta de um telemóvel.

"Tásse em casa?"
"Tou saindo pro festival"
"Ótimo, me espera aí, preciso falar contigo"

Antes de sair, mais uma chamada:
"Ele tá aí?"
"Está sim, queres falar com ele?"
"Não, só me diz se ele tá bravo"
"Não me parece. Aconteceu alguma coisa?"
"Sim. Desculpa te incomodar com isso"
"Não tens que pedir desculpas"
"Tou indo praí em meia hora, cuida dele pra mim?"
"Claro"

Saiu de novo, batendo a porta e vestindo um casaco. Não estava calor, mas uma gota de suor escorria de sua testa. Andava rápido o suficiente pra fugir de qualquer perigo nocturno, mas não conseguia fugir de si mesma. Num pequeno ataque paranoide mudou de calçada várias vezes, enquanto se esforçava pra andar mais rápido do que suas curtas pernas conseguiam. Subiu as escadas de dois em dois degraus, o fraco coração dava sinais de que aquele seria seu último esforço.

Normalmente levava dez minutos e meio. Chegou em quatro. Bateu à porta tantas vezes quanto conseguiu, gritou até a voz falhar, mas ela não respondeu. Chamou mentalmente, quis ser telepata, sociopata, suicida. Quis voltar pra casa. Não a casa quase à beira do rio que alugara por alguns meses. Quis voltar pra sua casa de verdade. O seu país, com toda a poluição, o trânsito e a agitação da grande cidade que tanto amava.

Encontrou a amiga pela rua e seguiram para o festival. Pelo caminho algumas lágrimas e um abraço. Estava mais calma. Atravessaram o rio pela ponte multicoloridamente iluminada e ela tentou deixar na outra margem toda a preocupação. Asher Lane estava subindo no palco. Era dia de festa.

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