28 de julho de 2009

O fim

Ela nunca se sentiu muito bem quanto a esse assunto. Nunca perdeu ninguém na família, e chegava mesmo a chorar escondido, quando criança, só de pensar na possibilidade de algo assim ocorrer. Sabemos hoje que ela sempre foi uma criança muito possessiva, mas o que é o sentimento de posse senão um exagero de querer algo/alguém por perto, para sempre?

Hoje ela já tem 22 aninhos. Uma mocinha. O ciúme e a possessão de outrora foram sufocados pela maturidade exigida de uma jovem mulher brasileira que batalha diariamente por um emprego e um lugarzinho melhor ao sol.

Ah, claro. Ela está gripada.

Não se sabe se foi a febre alta, ou a carência que a consome quando ela fica doente. Talvez tenha sido tudo junto, e mais o fato de querer bem a alguém. Alguém que de repente, sem mais nem menos, perguntou se ela ainda o amaria se ele desistisse da vida.

"Eu ia te odiar pela besteira que vc faria... Tá maluco, que ideia é essa?"

Ao dizer isso e não obter resposta ficou apreensiva. Ele não faria isso, assim, do nada. Não, decidiu esperar mais um pouco. A febre estava aumentando, e ela tentou fechar os olhos e concentrar-se para mandar seu corpo parar com frescura e combater logo aquele vírus. Os anticorpos não responderam, mas uma imagem se formou em sua mente. Algo que ela preferia não ter se lembrado.

**Flashback** Foi em um verão no começo do milênio. Ela tinha o costume de passar as férias na praia, sempre com as mesmas pessoas. Grandes laços formados em meio à areia, o sal e os ventos que sopravam do mar. Às vezes apareciam alguns convidados. Primos, avós, amigos do colégio. Vinham passar uma semana, e iam embora para sempre ou para talvez voltar na próxima temporada. Até que um desses primos apareceu.

Jojo era o apelido dele, e tinha pouco mais de 20 anos. Gostava de ouvir metal, andava todo vestido de preto e era bastante reservado. Mas era verão, oras, e a turma queria aproveitar. Arrastaram o primo até onde era possível, mas ele não se enturmou muito bem. Passava as noites ouvindo rock deitado na rede, sempre com o olhar perdido.

Ao fim de uma semana ele voltou pra casa, mas metade da família ficou no litoral. Dois dias depois veio a notícia: Jojo se suicidara.

A turma tinha certeza que não havia sido exatamente culpa deles, mas se sentiam desorientados. Será que haviam deixado de fazer algo? Talvez alguma de suas ações poderia ter mudado as coisas na cabeça dele? Ninguém sabia. Sempre circulam pela internet aqueles emails com depoimentos de pessoas prestes a dar tal passo, em que algum acontecimento, por menor que seja, evita o fim. E se tivessem feito algo pelo rapaz, quando foi possível?

Já era tarde. Ele simplesmente havia passado por aquelas vidas, e deixado a dele logo em seguida. Precisavam superar o choque e seguir em frente. Foi o que fizeram, mas a lembrança de um certo cara que apareceu em um verão qualquer às vezes insiste em vir à tona. **Flashback**

Ela abriu os olhos assustada, e percebeu que não havia resposta. Tentou chamar de novo, e nada. Teve medo. Medo de que talvez outro houvesse passado rapidamente por sua vida, e que ela não tivesse feito nada. Pegou o celular e discou uma vez. Ninguém atendia. Discou novamente, e decidiu não desistir até que conseguisse falar com ele. Estava quase tentando a terceira vez quando ele atendeu.

"Alô?"
"Oi quem é?"
"Sou eu."
"Ah, que bom falar contigo, você tá bem? Não me assusta mais desse jeito!"
"Desculpa, não quis te assustar. Eu só saí do computador, tava com febre, e deitei um pouco..."
"Tá, desculpa eu, ficar preocupada assim e te ligar. É que eu precisava saber se você tava bem."

Ele estava. Ela então se despediu e desligou. Sabia que sua intervenção não havia salvo a vida dele, não era um daqueles casos. Mas sabia também que se não fizesse isso passaria algumas terríveis horas se perguntando o que teria acontecido a ele, e se ela deveria ter feito algo, porque ele também está gripado e offline. Mas ela sabe que ele está bem. E ele sabe que ela não vai ficar nada bem, se algo acontecer a ele. (E se não sabia, soube agora!)

Boa semana, pessoal.

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